Há poesia nos aviões. Há aviões na poesia.
Ao derrubar aquela árvore
Que me impede a bela vista
Do aeroporto?Augusto Darde
Eu sempre gostei de poesia.
Não.
“Sempre” é uma mentira.
Lembro que não gostava de poesia e muito menos das aulas de português no ensino médio (que no meu tempo era colegial). Mas o tempo passa, e por volta de 1986 em um curso na Varig bati os olhos no poema “Tabacaria” de Álvaro de Campos (um dos heterônimos do extraordinário Fernando Pessoa). Aquela primeira estrofe mudou minha vida – literalmente:
“Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo“.
Depois deste dia passei a consumir tudo que fosse de Fernando Pessoa, e daí para Florbela Espanca [adoro os poetas portugueses] e o pré Modernismo brasileiro (Augusto dos Anjos), enfim, aprecio poesia como quem aprecia uma cerveja gelada depois que o avião decola. E no pacote veio o gosto de finalmente entender a beleza da língua portuguesa, sem obviamente entender nada de “orações subordinadas adverbiais”.
Pode parecer meio doido um “mecânico” gostar de música e de poesia, mas hey, como disse Fernando Pessoa:
“Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?”
Foi então com surpresa e contentamento que recebi um email há alguns dias do gaúcho Augusto Darde, que acompanha o Aviões e Músicas, oferecendo um exemplar de seu primeiro livro, fresquinho saindo da prensa.
Pela capa do livro, que é uma foto do próprio Augusto, dá para ter uma idéia de como o rapaz gosta de avião não?
A foto é de um ALS do Salgado Filho (SBPA), ele mora a cerca de 600m da pista, sua janela dá para a lateral sul. Como diz, está sempre fiscalizando os voos de seu escritório, olhando pela janela e consultando o Flightradar24. É, não tem cura….
Mas o livro não é somente sobre aviões: “[…]o assunto do livro é mais amplo: fala sobre minhas vidas no interior do RS (sou de Lajeado) e em Porto Alegre. Os aviões entram aí como uma forma de diferenciar as duas cidades, ou falar da distância, da paixão por aviação em si“.
Colo mais um trecho do livro que receberei com prazer, afinal a política e a violência nos estraçalham diariamente, a música e a poesia nos salvam.
Um aeroporto parte da campagne
Vejo margaridas em Bellegarde?
À Limoges, France
O vento bate na flor e combina
Perfeitamente com os turbofans
Bypass
Também pegar a frequência da torre
Através de um rádio amador, na escuta
Dos comandos em francês
J’espère un jour d’écouter le Concorde
J’aimerais bien vous connaître mieux, mon cher
Vol Liberté
Ah, brancas flores lá de Bellegarde!
Minha tarde de sol, de ócio perfeito
Como o vídeo na internetAugusto Darde